sábado, 2 de junho de 2012

183.



Inspirei o céu e dentro de mim senti chover
As coisas que só o azul sabe guardar.
Lembro-me de me ter constipado e
De te ter visto esconder o sol dentro do bolso do casaco.
Fazia frio quando tropecei em ti pela primeira vez.

19 comentários:

maria joão moreira disse...

Muito, muito bonito!

Anónimo disse...

fantástico

Anónimo disse...

Visto que me deste a liberdade, a tua confiança, vou ser totalmente sincero contigo. Não te sintas intimidada pela verdade porque ela vive nestas toscas palavras. Espero o desvendar do futuro, espero a porta que une o sonho e a realidade, espero a plenitude e a beleza, espero a mulher que dorme, espero a menina que foge, espero o fim das lágrimas, espero o fim da espera, espero que tudo o que deve aconcecer aconteça, espero um sorriso enorme, espero um olhar tímido, espero pela tua coragem, espero pela tua liberdade, muito simplesmente: espero por ti. E espero porque te reconheço como aquela que procurava, porque eras tu que eu procurava à muito tempo; só assim posso explicar a aura familiar que tu tens e esta facilidade de te tocar no fundo da alma, aí onde ninguém te conhece. E depois há o que ainda não sei, todo o inominável que nos une, todo esse sentimento que cresce sem limites, uma ingénua certeza de estar a percorrer o caminho correcto. É certo que especulo um pouco, que deixo a imaginação fazer o seu trabalho, pois ela é inteligente, mas o improvável, que somos, multiplica as possibilidades e torna a vida tão mais apetecível. Maria, a minha bussola neste momento aponta para ti e não tenho nada nem ninguém que me desvie deste rumo; envergonhado te confesso que esta é a minha fraqueza, pois sinto-me fraco e impotente perante este facto. Agora espero que se cumpra a tua profecia, espero o dia em que "We shall meet in the place where there is no darkness".

Anónimo disse...

"Como se dá a alguém um pedaço de céu?" Agora assim, muito rápido e só para nós, vou segredar-te a resposta que tenho para ti: oferece-se um pedaço de terra.

Anónimo disse...

Então menina do barco solitário? É neste cais que desejas repousar? Tu que és tão forte temes não aguentar com o peso? Mas que peso, pergunto eu? O da âncora que te prende ao fundo do mar? Então deixa-me ajudar-te; sincero, companheiro, sem mágoa. Serei Neptuno e embalar-te-ei nas ondas para que a viagem seja suave e recomfortante. Nada de violências que este Neptuno é bem-disposto e simpático, qie apenas se sente um pouco sozinho por viver num mar demasiado vasto. Dizem que é todo dele mas para quê? Se não tem ninguém para o partilhar? Encontrei-te numa praia distante, tão distante de tudo que ninguém acreditava que existisse, nem eu. As ondas que eu lançava embatiam nas tuas rochas e traziam-me ecos de uma voz familiar, “ela existe!” pensei eu. Mas como confencê-la que era eu que lhe acariciava as curvas? Que lhe enchia as grutas secretas e brincava nas enseadas? Perguntei ao sol, às estrelas e à lua e nada; o céu ria-se dos meus esforços. A angústia desabou em tempestades e ondas enormes e a menina ficou com medo, calou-se durante tanto tempo que o grande Neptuno penso que a tinha perdido para sempre! Um choradinho invadiu os mares, os marinheiros nunca se sentiram tão tristes, que se passava? Era Neptuno que chorava o seu amor tão desastrado, tão furioso como um touro numa arena, tão homem, tão inútil, mas eis que ouviu outro choradinho mais terno, mais tímido. Será? Sempre pensou que esse som era o som dele a chorar. Ó que alegria, há que recomeçar tudo novamente. Ora bem, como? Olhou para o céu, viu o horizonte e a estrelas reflectidas no mar e exclamou “Como tudo isto é belo!”; um grande relampago rasgou o céu. “É isso!” e a partir desse dia fez os possíveis para se acalmar, o que fez com que o mar se tornasse um verdadeiro espelho de tão cristalino estava. A menina essa descobriu que era de uma beleza maravilhosa e perguntou ao vento quem era o mestre dos mares que lhe deu tão lindo presente, os ventos responderam que não sabiam. “Estranho, e no entanto ele é tudo para mim. Todo este mar que me abraça. Porque é que eu nunca tinha reparado em tudo isto?”. Ao ouvir a sua voz Neptuno sorriu e enviou-lhe um barco tripulado por sereias. O resto da história perdeu-se porque dizem que a menina ganhou asas e voou levando consigo todos os livros do mundo.

Vês como sou leve? Foi a melhor maneira que arranjei para te dizer que te estou a abraçar. E quanto a todas as perguntas que te sufocam o peito posso dizer-te já que o teu coração te deu todas as respostas, daí a densidade emocional. Vamos basta um bocadinho de terra como te disse, terra fértil como um ventre de mulher porque em mim brilha um sol que nunca se põe. E a mais bela das flores pode crescer num pequeno canteiro.

Anónimo disse...

O Neptuno não se chateia quando sabe que a sua menina está de coração cheio como a lua. Ele só pede que ela não se esqueça do seu nome e que o chame em breve, numa ânsia sem medo, com todas as palavras que espera ouvir. Porque ele só roubou as supérfluas e as dolorosas, aquelas que causam dor e desamor. Não deixes as palavras trairem-te quando chega a altura dos olhos falarem.

Anónimo disse...

A minha alma inquieta-se com esta leveza de espírito. Todo o mundo dorme e nem um som se atreve a perturbar esta paz, como se toda a coragem do mundo se extinguisse no meu pensamento. É o que me envolve que cria em mim um vazio preenchido pela tua imagem; uma estranha reacção química que me encanta e assusta. Como posso resumir a minha vida a um simples nome; o teu? Um nó na linha do meu destino que deitou por terra o Presente com uma candura que me faz sorrir. Talvez já o desejasse, talvez já nada me prenda, talvez a vontade de partir só procurasse uma razão forte para se manisfestar. Desde o dia em que empreendi a grande façanha de te pintar de poemas que o meu coração se uniu ao pensamento num complô contra o chamado bom senso. Assombras-me e seduzes-me como nenhuma outra. Numa época diferente era muito provável que me tomassem por louco mas não sentes que, hoje em dia, são todos os “outros” que estão loucos? Não passam de formigas despassaradas que ao mínimo solavanco, na rotina das suas vidinhas ditas normais, começam a gritar que é o fim do mundo. Pois seja! Que só o fim é o início do amor. Só as formigas não entendem a necessidade de amar sempre, custe o que custar e onde calhar; mesmo que tenhamos de cruzar os mares e derrubar muralhas. E nós não somos formigas e a prova disso é eu sentir-me à vontade para partilhar isto contigo. São agora 1.45h e verdade seja dita não conheço ninguém com capacidade para compreender o que estou para aqui a dizer; o mal dos nossos tempos que me uniu a ti. Ora, se o que me levou a ti tem muito de inexplicável, porque tem, ou até algo de pré-destinado, nenhum desses factos paranormais pode agora libertar-me da atracção que exerces sobre mim; acontecimento que eu não podia prever no início. A empatia e a facilidade com que te “vejo” sem te “conhecer”, apesar da distância que nos separa, enche-me de uma alegria quase infantil fazendo automaticamente dos meus conhecidos uma caderneta de cromos da qual me envergonho de possuir. Posso agora (des)culpá-los, descansadamente, da minha apatia intelectual e emocional porque sei que estou certo e eles errados.

Anónimo disse...

Tu és a prova, a peça do puzzle que me esforçava, em vão, para encontrar. Garanto-te que és uma num milhão. Daí o meu desejo de te encontrar, de descobrir esse epicentro magnético que me atrái irresistivelmente. Não te sintas responsável pela minha perdição, que isso apenas me diz respeito, nem quero esmagar-te com o meu desejo. Muito pelo contrário! Devias sentir-te leve. Pois não é leve o sonho? Não é leve o momento em que a realidade e o sonho se unem? Basta pensares nas vezes que acordas com um sorriso depois de um sonho que mal te lembras, recordando apenas a sensação de que foi bonito. São tantas as vezes esses sonhos que nos enchem de força para enfrentar os dias. Um pouco como saber que tu existes. Recuso-me a negar os pequenos sinais mágicos que nos enchem os dias porque são eles que nos orientam neste caos. Tristes de quem não os vê. É certo que temos de procurá-los atentamente e muitas vezes somos vítimas de enganos mas não é isso razão para desistir. E é tão fácil desistir. Tão fácil que se eu chorasse de todas as vezes que o fiz já me teria afogado nas minhas lágrimas. Mas há que viver ao ritmo do nosso coração, contra tudo o que nos quer desviar do caminho certo: o nosso caminho. Deviamos levar, sempre, a vida como um filme do Fellini: com um pouco de música. Acabei de ver “As Noites de Caribia (La notte di caribia) e é um belo exemplo da contradição que é vida, recomendo-to vivamente. Veio-me agora esta pergunta à cabeça: “Qual é o meu caminho?” e eu respondo “Não tenho a certeza mas sei que é por aqui”. Qual é o teu?

Anónimo disse...

“Acho que caminhamos sempre em direcção ao passado, quer queiramos quer não”. Disse isto a alguém, faz muito tempo, na esperança de reavivar o passado. Quis muito acreditar no que dizia mas nem a mim me convenci. As palavras soaram-me ocas e pretensiosas como se fossem flores de plástico feitas para enganar pessoas que sofrem de coração. Pessoas que sofrem por antecipação. Descobri mais tarde que o erro não é caminhar em direcção ao passado – não confundir com dar passos para trás! - mas sim pensar que no passado iremos encontrar o que não temos no presente. E o que não temos no presente? Futuro. Falta futuro ao presente. Talvez seja isso que te prende, todo esse presente em ti. Por isso esquecer, abraçar o esquecimento talvez seja a única maneira de viver para que possamos recordar o passado e desejar o futuro. Lamento dizer-te, meu “bem-me-quer”, mas não estás morta. Porque repara como a frescura das tuas palavras faz crescer o amor e semeia florestas no meu peito. Se isto não é vida, então o que é? E uma pessoa morta não cheira a noite de verão! Chegou a minha vez de te agradecer porque descobri que não sou rocha, sou árvore desde que te encontrei.

Anónimo disse...

O que esperamos nós quando o que vai acontecer já aconteceu no íntimo das nossas entranhas? No desvairo da vidas, no choque frontal entre duas almas surge sempre algo invísivel que cabe ao homem e à mulher desvendar o nome e a forma do conteúdo. Vai ele crescendo devagarinho até não restar mais nada do que eramos e lentamente nos tornarmos o que somos. Ou então cortam-se as raízes, mutilam-se os nervos para que nunca saibamos o que somos. E pensar que há pessoas que praticam isto a vida inteira, podando, cuidando com uma paciência de loucos o seu bonsai, que na verdade não passa de uma erva daninha. Digo isto para que não esqueças a semente que lançaste à terra, para que não te esqueças de ti própria e para que não adormeças enquanto esperas, pois é tão bom dormirmos enquanto sonhamos. Mas nunca passará de um sonho. Agora olha para ti, não sentes que tens um filho dentro ti à espera de nascer? Assusta-te essa barriga cheia de borboletas? Não te sentes orgulhosa de tudo o cresce dentro de ti? Não é bom sentires-te desejada por um mundo que te espera? Do que esperas? O medo é maior que a vontade? Maior que a curiosidade? Seria muito triste ao abortares do futuro descobrires que era amor.

Anónimo disse...

Parto por saber que tenho alguém à minha espera, lição que demorei a aprender por não saber esperar por mim. Andamos tantas vezes preocupados com as direcções dos outros que eventualmente começamos a pensar que é por ali, que não há outra alternativa, que o destino está definido há muito tempo, o chamado “o melhor para ti”. Inventamos razões e lutamos desesperadamente para nos convencermos que é por lá que vive tudo o que sonhamos,isto porque ouvimos dizer que era assim. E quando tomamos consciência do erro já vamos a meio caminho e só nos resta voltar para trás, derrotados, cansados, desiludidos, revoltados contra um mundo que nos enganou. Partir por partir é infantil e doloroso, pois só uma criança acredita na aventura. Por isso posso dizer-te que só parto quando sei que tenho alguém à minha espera – alguém que me espera... é maraviolhoso pensar nisso -, mesmo que tenha de ouvir a minha alma a espernear dia e noite por não aguentar mais a prisão. Só lhe faz bem! Afinal o bom de partir é chegar, não é? Só uma prisão te pode prender, se estás preso a algum lugar é porque se tornou uma prisão. É a sensação de impotência que te prende, a falta de ar, a asfixia lenta, toda a rotina que crias para esquecer que vives numa prisão. Isso prende-te e nem te apercebes, dizes que são os amigos, a família, a casa, os sítios familiares, os bancos de jardim e no fundo não passa de pó, basta soprar ou passar o espanador para tudo ir pelos ares. Tudo tão frágil, as nossas vidazinhas frágeis que adoramos até à loucura. É isto que me prende, é isto que nos prende, é isto que nos faz querer fugir. E podem chamar-me irresponsável, rebelde, maluquinho mas nada nem ninguém me poderá impedir de sonhar que há uma vida diferente no final daquela rua onde nunca passei. Talvez isto seja magnetismo, talvez seguindo os polos magnéticos da terra encontremos o que nos faz sorrir, como fazem as andorinhas. E como elas não se enganam talvez tenham razão, pois cada vez que vejo um pássaro no céu não posso deixar de pensar em como somos pequenos e, direi mesmo, ridículos de nos orgulharmos de sermos humanos. Sejamos andorinhas, combinado?

Anónimo disse...

Porque eu também acredito em momentos certos, lugares certos e em palavras certas. Maria, há dias em que estás em toda à parte, há outros em que esperas invisível e até em mim pulsas baixinho, e nesses eu penso, não é o momento certo? Mas hoje inundei-me de ti, quando dei conta tinha-te inteira nas minhas mãos, e a certeza foi tão grande que não posso estar enganado. Este um daqueles momentos raros em que posso dizer "eu vi o futuro e é belo". O que vais ler a seguir és tu pintada com cores dos meus sonhos. Ao terminar não pude evitar pensar em ti, os teus contornos estão tão bem desenhados e o retrato é tão fulminante - ponho as mãos no fogo - que tenho de partilhá-lo contigo, tanto que depois de ler isto perguntei-me se será possível que tudo o que somos já tenha sido escrito por outros: (é grande, mas garanto-te que vale a pena)

Anónimo disse...

Alta e morena a quereria, de ancas largas e esbeltas, de cabeça pequena como uma estátua. Uma cabeça de lagarto, ligeiramente triangular. Cabelos curtos e encaracolados, macios como as penas de certas aves, fazendo um contraste violento com o rosto claríssimo e assustado. A froten ampla e cândida, onde a noite e o dia se alternassem docemente: e que fosse aquele o meu verdadeiro horizonte.
Quereia que na sua fronte cândida se anunciasse a madrugada, antes ainda que o céu se tingisse de vermelho, e pouco a pouco, enquanto o dia declinasse, a sombra da noite se tornasse densa entre a suas sobrancelhas, antes de o ser nas folhas, nas pedras, nas nuvens.
Mas quereria também que a noite nascesse do seu regaço, que nela fosse escura e compacta mais do que em qualquer outra coisa: que a minha mulher fosse mais nocturna do que um animal nocturno, que fosse como um pedra negra. Quereria, assim, que a sua fronte me surgisse como uma alegoria da minha vida mortal. De tal modo que todas as noites, vendo a sombra descer a pouco e pouco ao longo do seu rosto, pensasse naturalmente no repouso próximo, no sono profundo, nas castas imagens nocturnas e na morte.

Anónimo disse...

Os olhos tê-los-ia querido claríssimos, quase brancos, sulcados de laivos rubros: a boca fina, o sorriso triste e fatigado. E que dos seus olhos brancos descesse sobre o rosto uma luz serena, tornada mais viva por aqueles laivos rubros, por aquele pouco de sangue aflorando na candura do olhar. A voz, tê-la-ia querida e doce, sem tonalidades altas, nunca, nem mesmo nos momentos de dor mais forte ou de mais liberta alegria. Uma voz que parecesse cantar e contivesse uma harmonia nascida não somente das palavras e do acento: mas que os nomes mais simples e familiares tomassem na sua boca um eco misterioso, macio e puro como de sons sem raiz nas palavras.
Quereria que movendo-se, falando, sorrindo, aparecesse como uma força gentil, justa e incorruptível, da natureza, um elemento da graça, da força e da pureza que existem no ar, na luz, nas plantas, nas pedras, na paisagem. Que fosse semelhante aos animais, a certos animais, que tivesse consigo a inocência do cão ou do cavalo.
Que em certos momentos, na sua voz, soasse dulcíssimo o eco de um latido triste. Que a sua cabeça, pousada a meu lado no travesseiro, me parecesse muitas vezes, na incerta luz da aurora, uma cabeça de cão. Que ouvindo-a respirar a meu lado, ou mover-se no quarto escurecido, reconhecesse na sua respiração o resfolegar profundo de um cavalo, e os cabelos lhe ondulassem sobre os ombros como uma crina, e no seu riso, no seu pranto, ressoasse de vez em quando o eco de um relincho amoroso.

Anónimo disse...

Que a sua inocência fosse ferina, que o lado humano da sua natureza, aquilo que de humano sempre existe até na mulher mais nobre, tivesse o valor de um acidente, de um acaso, fosse puramento fortuito. Encontrasse sempre um gesto, num grito, a sua força animal: que os seus abandonos fossem os de um animal ferido, que até o seu orgulho de mulher fosse um orgulho de égua ou de cadela. Uma humanidade secreta, a sua, que já não a maternidade, mas a beleza, redimisse da sua matéria impura, do seu peso, da sua opacidade. Quereria que fosse minha mãe. E ter nela, amante, a mesma confiança, o mesmo abandono, da criança para com a sua mãe.
Quereria que o meu amor por ela fosse mais do que sentimento: fosse uma virtude. A mais livre e generosa das minhas virtudes. Que ela fosse para mim a minha paisagem e o meu destino. A totalidade das minhas ambições. Não o objecto das minhas ambições nem a inspiradora, mas a minha própria, a minha única ambição. Que o simples acariciá-la na fronte, o simples aflorar-lhe os lábios, o simples cingi-la de encontro ao peito, fosse para mim como que a libertação de uma obscura escravidão. Que ao menos nela encontrasse compensação para as minhas orgulhosas renúncias, para as minhas inúteis crueldades. Pois que nisto exactamente me parece consistir o mais próprio e mais nobre destino da mulher: ordenar e pacificar em si mesmo todas as forças e propriedades do homem, tornar-se não o objecto nem o fim da sua actividade física e intelectual, mas o pretexto dos seus sonhos, das suas esperança, dos seus empreendimentos. Um pretexto: nada mais. E é muito. Pois, na verdade, nada mais difícil nem mais perigoso que servir de pretexto a uma existência nobre.

Anónimo disse...

Quereia poder torná-la não já uma criatura sujeita ao meu destino, um ser dependente de mim, mas libertá-la da misteriosa tirania da sua natureza, ajudá-la a conquistar uma liberdade e uma dignidade que a natureza lhe nega e lhe disputa. Aquela mesma liberdade e aquela mesma dignidade inventadas pelo homem para justificar o tom de certas relações suas com o mundo físico e moral, com o mundo da natureza e da consciência. Exactamente e apenas nisto quereria que a minha mulher mulher fosse semelhante a mim.
Quereria que os movimentos, os instintos, os sentimentos próprios da virilidade, existissem também nela, ainda que atenuados e aviltados. Que fosse como uma imagem esbatida, e quase direi antiga, de mim: que no seu rosto reconhecesse o meu rosto distante, o rosto da minha infância, aquele rosto que sempre, ao voltar-me para olhá-lo, me inunda de um secreto espanto, de uma espécie de pudico horror.
E chegado o momento, quereria poder afastar-me da sua silhueta – não repudiando-a, não abandonando-a, não humilhando.a com a traição e a moentira – afastar-me dela como das prais de uma ilha, como das fronteiras de um sonho, como da margem brunida de uma ideia ou de um sentimento. Saber afastar-me no exacto momento, quando, pelo contacto com o homem, a mulher adquire uma polidez própria, em contraste com aquela outra viril, e regressa a si mesma, esforçando-se para esgotar em si mesma o instinto e destino de mãe. Afastar-me dela quando principiasse a decair daquela inatural dignidade, conseguida por dádiva do homem, quando o sentido da maternidade deixa de ser nela um acontecimento moral e se torna num acontecimento físico.

Anónimo disse...

Aqui se prova, creio eu, a verdadeira natureza da mulher, a sua dignidade. Pois existem mulheres que esgotam todo o seu sentido da maternidade no homem, não sabem ser senão esposas, amantes, irmãs, e dão povos mesquinhos, conduzem à ruína as famílias, os reinos, as empresas. Mas existem mulheres que sabem ser, sempre e apenas, mães: e dão à luz filhos, irmãos, amantes, impérios, guerra, aventuras desesperadas e gloriosas, e espadas, navios, colunas de infantaria, regimentos de cavalaria, cidades fortificadas. Afastar-me, em suma, sem piedade mas com doçura, como se afasta a gaze de uma ferida. Que a ferida sangre, que a dor seja profunda e ardente, mas muda, secreta. Para que a mulher não consiga nunca conhecer este último segredo do homem.

Quereria, sobretudo, que a minha mulher me fosse semelhante no desprezo por quanto os homens temem, evitam ou invejam. Que não sentisse qualquer piedade por si mesma e nesta ausência de misericórdia encontrasse a única consolação para o próprio, inevitável egoísmo. Que soubesse antepor a tua e a todos não a própria pessoa, não o amor do próprio amor, mas aquela fatalidade que cada um de nós esconde no mais profundo de si. Orgulhosa, mas intimamente incerta e infeliz. Desesperada, às vezes, mas serena no rosto, nas palavras, nos gestos. E que a sua infelicidade, os seus desesperos, se não revelassem em movimentos ou pensamentos dolorosos e humilhados, com sujeições ou renúncias, mas com violentas revoltas, com inesperadas corridas de encontro à luta, ao perigo, ao sacrifício. Para poder orgulhar-me de si, para poder amá-la como eu próprio saberia amar-me se fosse mulher.
Para poder reconhecer na sua fronte, no seu olhar, no seu sorriso, nos movimenots dos olhos e dos lábios, na palidez e no rubor inesperados, aquele sentimento profundo que por vezes me agita, impelindo-me a desfazer com as minhas mãos a trama de que é feita a minha esperança de felicidade e de repouso. Para poder-me afastar-me dela no exacto momento, como de mim próprio, voltando-me de vez em quando para trás a fitar aquele seu rosto semelhante ao meu, aquela sua serena fronte, aqueles olhos brancos onde o meu olhar se torna, a pouco e pouco, sempre cada vez mais distante e antigo.

Anónimo disse...

Depois disto o que é que me resta dizer?

Anónimo disse...

Porque tudo já foi dito. Porque espero. Durmo. Porque amo e não forçarei as palavras do amor. Porque essas palavras não se pronunciam em voz alta. Sentem-se, respiram-se, beijam-se. Porque te quero. Porque isso é tudo. Porque o desejo é maior. Porque os rios correm. Porque o mar chama. Porque o resto só nós sabemos. Porque não há Deus nem amos. Há o espaço e o tempo. O corpo e a alma. Calo-me. Chama-me. Não darei mais um passo. Marcas o compasso. Somos uma melodia. Um piano. A alegria. Tudo depende do dia. Aguardo. Sei-te minha. Sou teu. Não direi mais. Porque há mais. Porque sabes mais. Porque os segredos pedem ouvidos. Proximidade. Suspiros. Eis-me aqui. Agora? Agora. Quando acordares com asas. Quando me pedires as asas. Como? Não sei mas arranjarei uma forma. Espero. Porque tudo já foi dito. Repito. Não há palavras. Leva-me. Vou. Onde? Quando? Não sei. Porque já escolheste. Porque me ataste ao coração. Porque basta um sopro para tudo acabar. Diz-me como desatar este nó? Encontrar-te. Realizar-te. Pois já não sei imaginar-te, mas apenas e somente amar-te. Porque agora resta-nos nascer. Tornarmo-nos tudo o que devemos ser. Porque agora não te largo. Porque não o saberia fazer. Porque seria... Feio? Escuro? Mau? Porque ficaria vazio. Um vazio com o teu nome. Agora promete-me, com palavras de veludo, que nos encontraremos em breve. Porque tenho febre. Porque tremo. Promete-me, ok?