quinta-feira, 5 de julho de 2012

186.



Fiz-te de olhos nublados - cheios de pó de mundo - e de cabelos de nuvens, que tantas vezes haviam chovido e encharcado meu interior e se erguido cinzentas diante mim, vergando tudo o que um dia fui. Soube que a culpa de teus cabelos chorarem era minha, que tinha sido eu a roubar-te o sol, por estar demasiado frio na noite em que partiste pela primeira vez. Desculpa-me se não consegui abrigar-te do teu temporal, mas creio ter estragado todos os guarda-chuvas e com eles ter morrido na tempestade de tua alma. Ohh! Ainda hoje guardo as nódoas negras na mesinha de cabeceira, que me não deixam adormecer sem antes te amar, já depois de nada mais ter amado. Dezembro não te aleija mas deixa-te de coração combalido e é por isso que pintas teus cabelos de branco e nevas. Confesso-te que, embora ainda ninguém tenha descoberto, parte de mim neva sempre contigo, junto a ti, prometendo-te que o céu já só cabe dentro de teu nome.


Margaret, 2 de Dezembro 1987

5 comentários:

Lipincot Surley disse...

Margaret ama antes de adormecer e mesmo assim fez-lhe dos olhos poeira húmida e cinza. Nega-lhe guarda-chuvas que acha estragados (estão mesmo??). E apesar de tudo isto ainda lhe pede desculpas. Não sei se um dia as almas se hão-de entender. Há tanto para entender. Porquê? Porquê guardar nódoas negras em mesinhas de cabeceira?
No meu último texto queixei-me de andar sempre a falar do mesmo - se calhar guardei algo na minha e não me lembro..
Como gosto de te ler :) e não é maravilhoso que há medida que vou descobrindo o Zambujo e a guitarra dele decido cá vir e encontro mais textos que me deixam sempre com palavras e imagens a voar na cabeça.
Maria, reparei há pouco que te leio há um ano já. Obrigado sabes? :)
Beijo
LS

maria joão moreira disse...

Lindo... "O céu já só cabe dentro do teu nome"... Maravilhoso.

Anónimo disse...

contei até nove e não apareceste. voltei a contar e cai no vazio. foi assim que descobri que um dez sem o um é apenas um zero, e que tu és unidade e eu um zero redondo.

Anónimo disse...

Agora que parece que só somos dos segredos e dos sopros de coração, vou pedir-te que segures com todas as tuas forças de mulher-água o segredo que quer deixar de o ser. O segredo que guardámos nas horas, nos dias, nas noites e nas palavras envergonhadas dos amantes. O segredo que se transformou em desejo e matéria dos sonhos. Quero ver-te. Quero ver-te e dizer-te que já te conhecia à muito tempo, que eras tu que procurava na multidão. Quero ver-te para dizer-te um simples finalmente que cala tudo. E se não encontrarmos as palavras certas bastará um olhar para que tudo faça sentido. Sei que o corpo nunca nos obedece nestas alturas e que o sistema nervoso se torna numa marioneta nas mãos de um deus estranho, contudo bom e sábio. Peço-te então que o ouças e lhe obedeças para que o que está para nascer não faça doer, para que seja doce e natural. Olha agora para o calendário deste mês e escolhe o número que mais te atraí, fixa-o e guarda-o. Faz dele o teu dia, chama-me e eu irei porque sou teu – o teu segredo. Se isto é sinal de fraqueza, então sou fraco; como se tivesse fumado o primeiro cigarro em jejum e nada mais importasse. Serás mais forte que eu? Se houve alguém que incendiou as pontes para essa margem - onde vagueias solitária -, eu serei aquele que as contruirá de novo para que te recordes que existem mais sítios para fugir além do dedo mínimo do pé esquerdo.

http://youtu.be/uqpcdjoQKpU
Maria, dedico-te esta música. Anda faz dias na minha cabeça e hoje tenho a certeza que é por tua causa.

Anónimo disse...

"- Dize-me, gostas quando estou a conversar contigo?
- Gosto muito. Vem ver-me mais a miúdo.
- A verdade é que me disseram que havias de gostar de ver-me. Mas é preciso que te levantes daqui a pouco tempo. Deixa estar que ainda hoje te hei-de trazer um bolo... Mas porque motivo não dizes nada?
- Não é por coisa nenhuma.
- Naturalmente, estás sempre a pensar."

excerto da p.27 do Netotchka de Dostoiewsky