sábado, 2 de março de 2013

209.


Ouvir o dia nascer
e acreditar que os sonhos também
                                                     ferem.
Ter medo do rio, dos astros, de nós
e continuar a digerir a inutilidade do céu
sempre que se ergue para morrer.
Incendiar a própria pele,
coleccionar cinzas antigas e deixar o coração
amarelecer no papel.
Demorar-me.
Confessar-te ainda que chove, que sempre chove
dentro do meu cansaço e percorrer as restantes horas
de nossa lucidez a desabitar-me.
Mastigar-me até à mais solene cegueira, perdoar-te o
lugar da memória que não reservaste para mim
e abandonar-me ao ofício do calcário.
Escurecer junto dos dias e dos rostos,
                                                trancar-me
na garganta, arremessar por fim a voz e
para sempre
calar-me.

3 comentários:

inês disse...

tocante

Lipincot Surley disse...

diz-lhe para se não trancar.
diz-lhe que não tem de amarelecer em papel e pode deixar os medos de fora.
brilhante*

Iolanda disse...

Dos poemas mais maravilhosos que li... já sigo o teu blogue, parabéns :)