segunda-feira, 18 de março de 2013

211.


Não mais há madrugada suficiente para os teus olhos - como dói pensá-lo.
Entregar-me progressivamente às ruelas da tua dormência e ter medo. Quanto caos latente
pousado nos teus cabelos e ainda a esperança de que um dia o sol regresse e nos ensine
de novo a pronunciar certas palavras. Ah! Somos doentes, como somos doentes...
Trocamos os nossos corpos por um espaço no vazio onde seja possível amarmo-nos sem a podridão da voz, mas ainda todas essas sílabas que em nossos ferimentos sangram para morrer.
Não é possível executarmo-nos na sombra tácita do que se não diz nunca, não é possível conhecer-se o terrível ofício da pele sem mãos - dizes-me.
Ohh, orquídea, até quando estas letras em decomposição no lugar dos dedos? Como fere ser-se de borracha, viver no pantanoso lago do tacto falhado de dois corpos que juntos se embebedam e para sempre se roubam. Vasculho-me no que resta de teus ombros, onde encontrar-me se a noite desaprendeu o teu nome? Tanto silêncio atroz incrustado nas tuas pestanas e as iluminações de rua a recordarem-nos das fracturas ininterruptas da memória. Estalo-me até à exaustão, finjo sons que não sei, perdoo-te aos encontrões - em que amor foi o teu primeiro naufrágio?
Pernoito nos escombros do teu olhar noites a fio, como se achasse ser possível resgatar-me ainda junto de tudo aquilo que nunca viste ou que olhaste e tragicamente
esqueceste.
Passeei-me vezes demasiadas em tua íris - hoje o reconheço.
Choro-te convulsivamente; a cidade envelhece. A solidão de um incêndio o não finda, como terminar-me no teu alheamento? Pedir aos pés que executem os movimentos certos e errarem sempre a direcção - ah! orquídea, dóis-me dentro do esquecimento! Deixa-me ficar no banco de jardim virado para a insónia e me não mais habites! Retira-te do compartimento que havia um dia destinado a ti e ordena
o regresso da madrugada onde os meus olhos ainda te esperam.
Se soubesses ao menos como a luz cega nesses parques de estacionamento reservados a paixões temporárias, onde tudo se contamina e explode,
onde se amputam braços e doam corações à tristeza da nossa nudez,
se soubesses ao menos...
Não mais há madrugada suficiente para os teus olhos.
Amanheço.

4 comentários:

Inês disse...

"Pedir aos pés que executem os movimentos certos e errarem sempre a direcção" - portentoso. és ternura e beijos dados de saudade. adoro ler-te.

Anónimo disse...

és sempre bonita, sempre.

inês disse...

quem me dera escrever como tu maria

Iolanda disse...

Muito obrigada Maria, e nada descreve melhor as emoções do que as palavras que me deixaste...
oh, mas é que eu não uso muito esse blogue. A grande da essência da minha alma está escrita no outro, deixo-te o link, se quiseres seguir-me lá: http://detailminer.blogspot.pt/
um beijinho