quarta-feira, 4 de novembro de 2020

267.


 


Repara: a casa existe 

como uma memória afiada

desses tempos em que foste

sim, talvez, francamente feliz

mas, sobretudo, e apesar disso, miserável.

Lastimo-me por ti, amiga. 

Estavas fadada a grandes coisas; 

o amor de alguém é um lugar tão difícil,

o poema como uma valsa por terminar,

a lua revelando o que só o açúcar promete.

Mas nada disso te valeu.

E agora, sim, a casa. A casa 

que te recorda a aspereza da iniquidade: o sangue perdido

tão ingloriamente que dá dó, 

o sangue, amiga, que julgaste ser prerrogativa da paixão

e que mais não é senão a fraca inutilidade da juventude. 

Podia ter sido diferente, pensas. Podias não ter quebrado. 

E a casa, o raio da casa, sempre relembrando

placidamente relembrando

a violência, o ciúme, a infâmia. 

Lastimo-me por ti, amiga. 

Tens agora a cabeça posta nas ossadas que ficaram

depois da ruptura

e que são afinal teu mais confortável e tíbio leito.

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