terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

165.


Morre secretamente na inércia dos dias, a minha pequena orquídea. Peço-lhe que se deixe ficar onde a poesia faz de nós personagens de livros empoeirados, onde o torpor não aleija e as noites não nos chamam de solitárias. Diz-me que é demasiado vazia para ser uma história e que o tempo lhe pede adeus e eu sorrio-lhe os gestos que parece não querer ver. Insisto. Reclama sempre um bocadinho, magoa-se sempre um bocadinho  mas depois, já perto do abismo que impõe a si mesma, cede. Volto a insistir e digo-lhe que combater contra a sua singularidade é também combater contra a minha. Ouço-a soluçar baixinho, quase que para dentro, e o nosso mundo de cetim torna-se irremediavelmente insustentável - a tempestade de coração chega-se perto. Quando me dou conta já estamos as duas a chorar todas as palavras que nos feriram, todos os amores que não souberam ficar, todos os livros que terminaram muito antes de terem começado e todas as tardes que se chamaram saudade. Ouço-a sorrir. Ergue o olhar, pousa-o nos ciprestes que tanto lhe afagam o espírito e, levemente, diz-me que possuímos pontos de ebulição muito próximos.

4 comentários:

Lipincot Surley disse...

Parecia-me uma orquídea mais sozinha no início, a ver pedidos de adeus. No fim, parece-me reencontrada a outros pares! Não ficará sozinha Maria?
Apesar da orquídea parecer sempre tão bem enquadrada à paisagem tempestuosa e de abismo, ela fica tão bem ao sol. Regada. Nutrida. Diz-lhe isso, sim? Beijinhos
LS

Rita Q. disse...

perfeito, a tua escrita é maravilhosa.

Ligações disse...

Tenho todo o tempo do mundo e mais um cadinho, Só que tento ver-te pelas palavras e tanta coisa me aparece, que pouco é real...
Espero conhecer-te tal e qual como estás, cheia, porque de seres vazios ando farto e cansado..

Ligações disse...

Peço desculpa não era minha intenção meter-te medo...
Queria poder dizer que tenho um dom, o dom de ver para alem dos olhos, mas isso só se aplica quando existe contacto com a pessoa e a troca de comentarios não resulta, seria eu procurar-te por toda a parte e ficaria louco, novamente...
Vou esperar, se o meu modo de vida não se alterar, até porque neste ommento estou em fase de transformação