quinta-feira, 22 de novembro de 2012

198.


Lembro-me bem desse dia. Ou terá sido noite? Tu te morreste assim, também. Eram as tuas mãos - ou seriam teus olhos? - que acordavam não sei que fragilidades contorcidas e te levavam para uma manhã a que sempre chegavas só. Descobri o esbater da urgência, da solidão e há medida que esquecia as tonalidades de tua pele , pintava-a de cheiros e palavras que um dia sonhei ou ouvi na rádio, para que o atraso que nos separava não doesse tanto; para que tu não me doesses tanto. A cor da tua voz, essa, a perdi também, perdi o rastro que sempre olvidavas ao habitar-me e já não sei a parte de meu interior onde deixaste ausência e morte. Porque tu deixaste morte nos pequenos abalos de abandono, tu deixaste morte na própria arte de se morrer, não com uma faca cravada no coração mas com um amor enterrado na garganta.

 Margaret, 8 de Abril 1981

12 comentários:

Anónimo disse...

Que árvores, meu amor? De que árvores falas para que eu as possa encontrar? Para que possa sentir a plenitude, a nossa união? Como eu gostava de abraçar-te ao fim da tarde; adormecer com o sol sobre o teu colo; esquecer-me e sorrir como uma criança, sem saber a razão; saborear a luz dourada sobre os teus cabelos, e sentir os teus dedos finos e delicados sobre os meus. Sob o verde do nosso céu sei que a certeza derradeira me irá atingir como um primeiro beijo, e então descobrirei que não poderia estar noutro sítio; porque aqui atrevo-me a dizer: “Sou tão feliz, meu amor”. O que realmente falta nestes dias longos e incertos é o nosso amor; a palavra amor nas nossas bocas exaustas de não amar, ansiosas por amor, desejosas por encontrar o verdadeiro significado do amor! Confesso-te aqui, meu amor, que só contigo a palavra amor não se torna banal e inocente; sabe a mel, sabe a verdade, à pureza de um sono livre e apaixonado no amplexo dos corpos. Sente-me, meu amor, como eu te sinto quando te toco nua sob os lençois, tão cansado de te procurar, mas tão quente ao envolver-te. Adormece-me com o teu respirar perfumado; repousa em mim e fala-me das tuas estórias secretas, ri-te envergonhada da tua ousadia e cala-me quando a manhã espreitar; então iluminados pela luz tímida do amanhecer, façamos amor - daquele tão doce, tão desesperado, tão terno -, ainda meio adormecidos e lânguidos do sono. Que saudades, meu amor, daquelas árvores que nos uniram. Quero-te tanto, tanto, que o coração só bate quando penso em ti; com a força de mil cavalos, com a doçura de mil andorinhas...

han disse...

apaixonei-me por isto

Anónimo disse...

Esse amor ideal!
Mas o corpo sofre...

Dorme sem medo; que eu já não sei outro caminho senão o teu.

mary disse...

mil suspiros e uma paixão imensa por ti e pelo o que escreves, doce Maria.
....como encantas

Anónimo disse...

É nestas manhãs cheias de promessas que o meu corpo chora por acordar sozinho; porque chove lá fora, porque choves dentro de mim. É quando o céu está tão baixo que eu me encolho com receio de te magoar, preferindo passar despercebido sob o teu manto protetor; maternal. Há muito que olho ansioso para o voo das aves procurando por notícias que me pintem um sorriso eterno nos lábios, mas nestes dias caem lágrimas que beijo tristemente; amargas, impessoais. A atmosfera abafada e húmida, que me torna sonolento, alimenta-me o desejo secreto de te encontrar a cada virar de esquina para finalmente cair a teus pés, vencido, por este amor sempre crescente. Aí, no chão, depois de esmagado o meu orgulho de homem, seria impelido pelo sopro quente da tempestade a abraçar-te, a encostar-me ao teu regaço para ouvir a alma perfeita que trazes dentro de ti. Abandonado à tua vontade diria que tu estás certa e eu errado; que o sofrimento é causado pelos relógios – sempre sensatos, sempre exatos; que a ilusão causa o desamor; e que as memórias são filhas ingratas de uma mãe sábia e apaixonada. Tomaria a tua mão escondida no bolso e taparia com ela os olhos, fazendo desse gesto uma promessa de confiança, oferencendo a minha alma cega para que a guies, embalada com a teu força; faria o mesmo com a minha mão, tateando-te primeiro a face subitamente molhada, e com um toque de mágica dissiparia o nosso claro-escuro no cinzento outonal destas manhãs sem contornos. Dá-me um pouco mais de ti; dá-me o pescoço nu onde quero repousar inteiro; dá-me a tua franqueza e força ilimitadas; deixa-me recordar-te como se fosses o meu único amor. Vem; amanhã, hoje, quando quiseres, mas vem.

mary disse...

podes,e sabes uma coisa? que grande beijinho que agora me deste no coração. foste tão simples e tão tu num pequeno instante e como é bom. é tão bom e fizeste-me sentir bem, tão bem. e oh. mil sorrisos para ti. mil corações e abraços apertados,e...gosto de ti, Maria! alma linda

efeito placebo disse...

das melhores passagens que inspiro, Porque tu deixaste morte nos pequenos abalos de abandono, tu deixaste morte na própria arte de se morrer- isto é algo duma imensidão.....e reconheço-o, que és tu mimi.

Anónimo disse...

Porque me dás silêncio quando ouço o teu coração em todas as ruas? Sigo o eco dos teus passos como um cego sem esperança. Imagino o teu sorriso como uma lanterna na escuridão e penso em fugir para não perturbá-lo, para não afugentá-lo. É ao sonho que pertences. Ao tremeres também eu tremo com a fatalidade da vida; a tua felicidade, a minha infelicidade. Andamos os dois desencontrados, forçando as costuras, tropeçando na escuridão em misteriosas ternuras, para voltarmos sozinhos às ruas. Mendigamos os dias e corremos muito rápido para ninguém nos ver, para ninguém nos apanhar o amor. Não te desiludas, meu amor; acredita nesse afago louco quando sentes a esperança a voltar, a apertar. Não sentes a tua alma a florir dentro de ti, preenchendo sítios que pensavas nem existir? As sementes plantadas, adormecidas há tanto tempo, despertaram o sangue quente embriagando-te as faces. Lançaram o êxtase na tua pele macia e adocicada. Acordaram a mulher-rosa. Só tu és flor, só a seiva pura e livre te alimenta; incompreendida neste jardim de inverno. Mas eu sou jardineiro; madrugo febril só para te ver, para recolher das tuas pétalas as memórias de uma primavera futura, acariciar essa saia rodopiante sobre os prados do desejo – vermelha e amarela pintando o verde. Todo o meu ser é fraqueza. Como sou fraco e incerto! Mas és saudade, meu amor. Saudade! Maravilhoso vinho que me embebeda e dá alegria à tristeza. Hoje acordei angustiado, meio perdido, com uma pergunta infantil a zumbir-me ao ouvido: pensas em mim?

Anónimo disse...

O que me dirias se, neste momento, eu dormisse profundamente ao teu lado? Algo que nunca terias coragem de me dizer cara a cara; algo que nem tu mesma terias coragem de pronunciar sozinha em voz baixa.

Anónimo disse...

Porquê?

Anónimo disse...

Mentes muito mal. Não terias coragem de me matar. Se a morte fosse assim tão fácil, tão deliciosa e atraente, já não terias cometido suicídio? Resolveria tanta coisa. Seria o fim do sofrimento, da luta, da raiva, da desilusão. Não teremos o direito de decidir da nossa vida? Para que tens um corpo que não te obedece? Que chora, treme e cai; que nos estica as entranhas e encolhe o peito; que nos fecha os olhos à beleza e à sensualidade? Flagela-nos e mortifica-nos quando precisamos de apoio, da nossa força, de um qualquer amor? Terias coragem de me matar? Matar-te-ias a seguir; não porque desejas a morte mas a eterna união. Singular, horizontal, incorruptível. Sabes, prometo que vou deixar que me mates, se assim o quiseres; num sítio à tua escolha, à hora que quiseres, como quiseres. Partilharemos o mesmo espaço sem sabermos quem somos, apenas saberemos que estamos juntos; separados por pessoas e unidos sob o mesmo céu. Se sentirmos que nos identificámos, inadvertidamente, naturalmente, nada façamos; contemplemos o chão, as árvores, as pessoas que passam. Rendamo-nos à comunhão dos espiritos, à consanguinidade dos silêncios, e voltemos para casa como se nada fosse. Um nada que parecerá um tudo. Mas daí, tu não terás coragem, mesmo estando a teu lado com esse sentimento que pede por palavras e por atos; não darás um passo. Engano-me? Prova-me o contrário. Um local, uma hora, quando quiseres. Afinal vivemos na mesma cidade e há dois meses que continuamos perdidos. Dorme bem.

Anónimo disse...

"É necessário haver ido ao fundo da dor humana, haver descoberto as suas estranhas capacidades, para poder saudar com o mesmo dom ilimitado de si mesmo o que vale a pena viver. A única desgraça definitiva em que se poderia incorrer diante de tal dor, porque ela tornaria impossível essa conversão de sinal, seria opor-lhe a resignação. Sob qualquer ângulo que, diante de mim, tu tenhas mencionado reações às quais te expus o maior desastre que tenhas concebido, sempre te vi enaltecer a rebelião. Não há, com efeito, mais descarada mentira do que aquela que consiste em sustentar, mesmo e sobretudo, em presença do irreparável, que a rebelião de nada serve. A rebelião se justifica por si mesma, completamente independente das oportunidades que tem de modificar ou não o estado de facto que a determina. Ela é a faísca no vento, mas a faísca que procura a fábrica de pólvora. Venero o fogo sombrio que passa nos teus olhos cada vez que recuperas consciência do dano irreparável que te causaram e que se exalta e se sombreia mais ainda à lembrança dos miseráveis sacerdotes tentando aproximar-se de ti naquela ocasião. Sei também que é o mesmo fogo que produz para mim tão altas as chamas claras, que as enlaça em quimeras vivas aos meus olhos. E sei que o amor, que nesse ponto só conta com ele mesmo, não posso retomá-lo de ti, e que o meu amor por ti renasce das cinzas do sol. Por isso, cada vez que uma associação de ideias traiçoeiramente te leva de volta a esse ponto em que, para ti, toda esperança um dia foi renegada e, por mais alto que te encontres então, ameaça, como flecha procurando a asa, precipitar-te de novo no abismo, sentindo eu mesmo a inutilidade de toda palavra de consolo e considerando toda tentativa de diversão como indigna, convenci-me de que só uma fórmula mágica, neste caso, poderia ser operante, mas que fórmula poderia condensar nela e devolver-te imediatamente toda a força de viver, de viver com toda a intensidade possível, ao passo que sei que ela te havia sido devolvida tão lentamente? Aquela, à qual decido apegar-me, a única pela qual julgo aceitável fazer-te voltar para mim, quando te acontece inclinares-te de repente em direção da outra vertente, encerra-se nestas palavras com que, ao passo que começas a desviar a cabeça, quero somente roçar o teu ouvido: Osíris é um deus negro."

Não me atires com a desconfiança à cara quando o que amo é o que tu me dás, ou seja, amo-te.

Segunda-feira, esperarei por ti, entre as 15h e as 17h, no Jardim da Estrela.