segunda-feira, 29 de abril de 2013

214.


Refulgentes metais desaguam ininterruptamente dentro do coração. Teu rio dissipou-se, agora mora lá fora. Assim te desgastas a ferro e estio. O esgotamento, o mundo em meus cabelos, a dor do mundo sob teus olhos - chaminés que perfuram céus, cabos de electricidade no tresvario. Perco-te sempre que te toco e por isso quebro dedos. A difícil arte da conservação, minha pele a meia luz e desleixadas nuvens em fumos e esquecimento. Observo-me distante, lá nesse lugar onde a ausência embebeda os poros e nos mente. A solidão é um hábito a que tardiamente nos habituamos. O entorpecimento, como é da sabedoria popular, leva a sua demora, as malas amontoando-se dentro de nós, em desertos, abandonos e corredores, até tudo se concentrar concentrando-se nesse frenesim das coisas que já não mais cabem e a partida ser a inevitabilidade de um corpo que se despe. Mas ainda não é tempo, ainda existem prateleiras sem tua inscrição, ruas que não se me entalaram nos calcanhares porque nelas não chamei por ti nem sangrei. Ainda... ah! Entardeces em meus ombros. Caem os dias em cima de ferrugem.

2 comentários:

Anónimo disse...

Apaixono-me por ti em cada linha.

Iolanda Oliveira disse...

Releio os teus textos, és maravilhosa com as palavras.. "A solidão é um hábito a que tardiamente nos habituamos.", deixa-me em suspiros.