terça-feira, 24 de agosto de 2021

269.

shinjiaratani:
“architecture/sculpture ©SHINJI ARATANI
”


Entre a dúvida e a palavra

acelero como quem se sente capaz

finalmente [

de um despiste

Estar contra os astros significa apenas

que trazemos no sangue uma porção

de nitrato

invariável

dolorosa, sem dúvida

irascível

A salvação não se encontra nos

olhos de alguém

                       [ainda que radicalmente belos

não se encontra num ou outro beijo aceso

não se encontra num certo modo de posicionar

a bacia ou o anelar ou a omoplata

Nem sempre havemos de ter força

às vezes cairemos e o levantar não terá

lugar no momento seguinte

Antes demorará, como se demora a mágoa

na particular cisura do coração

ou a mansa água de um rio antigo.

Não te maldigo, querido. Não te estranho.

A minha pena é sede do nome que me

deram sabendo e não sabendo 

os motivos que o encerram 

que o impelem à substância última

à ruptura advinda da dor

da maresia

de um gesto atrasado ou por completar.

A impressão das tulipas 

a sua vermelhidão enjoativa 

o sorriso que desprendem no jarro

paliativo assassino falacioso

oh, sim, a impressão que ficou

depois do amor igual a essas tulipas

a observar-nos os movimentos 

com a sobranceria de quem olha

alguém desde cima. 

O terrível ângulo, essa fraca forma

de insistir no fúnebre sentido que se tornou

a paixão o seu cavalgar o arquear de umas coxas

outrora prontas para milagres que no fim de contas

terminaram desconhecendo

Ainda não me levanto. Ainda me deixo ficar

um pouco abaixo do solo

na rarefeita paisagem da memória

próxima das raízes das tulipas por arrancar 

da terra

como fetos que se conservem no útero

materno

um pouco abaixo de mim mesma, sim [

um pouco abaixo da palavra e da fé

Mas não te maldigo, querido. Não te estranho.


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