sexta-feira, 9 de outubro de 2015

246.




O corpo como constante infecção, esta casa que ao chegar-se perto dela se intromete nos mais irreais medos. O cheiro de alguém é uma coisa como outra qualquer, quem sofre poderá parecer-se com o aroma da laranja tanto como com o do cimento. Não há regras quando se trata de ir embora, esse acto por vezes último, urgente, necessário e por outras tantas frívolo, egoísta, iconoclasta. A floresta arde, entretanto. E há algo no ruído dos pássaros, que se sabe que vem dos pássaros, que nos relembra uma virtude muito antiga, quase branca. E o cabelo que alguém atou como a um prisioneiro e que o fazia belo mas preso, esse já não sei se me lembra saudade se uma tépida sensação de vómito. As estações do ano não podem, porém, servir apenas como cruel impulsão da memória. Não indaguemos em vão, não sejamos melindrados pelo que fica de viscoso do passado nos objectos. Esta casa é só uma casa. Os medos não são por certo dela nem dentro dela. As palavras murmuradas que alguém plantou como árvore de fruto não podem servir-nos à fraqueza. Há quem morra por muito menos. Eu tenho uns braços e uns terríveis olhos negros que existem para escurecer. Esta casa, por outro lado, tem tantas janelas...

Margaret, 21 de Outubro 1981

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