terça-feira, 13 de outubro de 2015

247.




Restas-te-me, em suma, como um gesto anterior, mal calculado.
E depois dele há a morte e a cigarra antiga que emite um som imprudente
no relento do nem sempre hábil coração. Emite e emitirá até o nosso arfar
se tornar violentamente mais espesso, mais viscoso, mais audível. Aí
sabereis que em momento nenhum se fará de novo silêncio, que o espaço
em que se manobra o corpo ainda conservado nunca mais se trespassará.
Mas nada temeis, que a pele de uma mulher vive e renova-se pelos olhos
dos homens séculos adentro, sem pressas nem precoces ofícios do sangue.
É como quem diz: embora me encontreis partida, estarei por certo viva; sem
mãos prontas nem doçuras capazes, mas viva ainda. E na boca que acompanha
o movimento das palavras, que é minha, terei ainda um salivar que recordará
um velho e doloroso ruído ferido de paixão. Ao silêncio não se retornará
após a chegada do arfar violento, tenebroso, e esse será um acto de perda,
mas o que ficará de árvore será o bastante para que a vida pareça um gesto
cheio, eficaz, imune. E assim, de costas vergadas e joelhos postos no chão,
dai graças a Nosso Senhor Todo Poderoso por vos ter munido com uma carne
varada de misérias e sobretudo [ de memórias.

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