sábado, 23 de abril de 2016

254.

drowning-in-limbo:

© Lydia Lazarus 2016


Terei repudiado a fraqueza de Deus noites e noites a fio.
Estendendo-Lhe caridosamente a mão esta mão
que nem sempre quer dizer iniquidade, que às vezes é só breve anseio
procurei salvá-Lo da castração de uma fogueira a arder;
da violência de uma ferida a ser aberta
eu procurei salvá-Lo da sua própria divindade
que é como quem diz: libertai-Vos de todo o acto de criação.
Terei repudiado a fraqueza de Deus as mais das vezes,
carregando-Lhe as palavras mais agudas pelos dias
parindo filhos cheios de maleitas e bastardias, ah!
filhos que haviam nascido de enganos e perfídias,
filhos que não chegaram, sequer, a ser meus.
Oh, Pai, não vês como por ti anunciei numa voz antiga
que o perdão é afinal um lugar possível
não vês como escalei a esquálida montanha da fé sem
voltar meu rosto para trás,
sem questionar tua força apesar desta
carne sucumbível com que me teceste?
E, contudo, como acordo agora tão tardiamente,
acordo a meio do mundo e o mundo todo enfurecido, degolado,
inflamado, pulsando afiado garganta adentro, tenaz,
e o mundo todo contraído na minha cona, fúlgido, a dizer-me:
«És e sempre foste, minha filha, incapaz.»
Terei repudiado a fraqueza de Deus, por isso, agora e sempre.


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