quarta-feira, 27 de julho de 2016

256.


punlovsin:
“ René Lalique, ‘’La Benetterie’‘
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”

Os bichos que nos comem o sangue
não cessam a sua maquinal investida. É de noite
e eu grito muito secamente, eu rogo invariavelmente:
«Mãe vem salvar-me das misérias da carne.» Mas a mãe
tarda e a noite avança, avança sempre
veloz e mecânica
como que anuindo com as suas sete cabeças que o fim é soberano
que não, não haverá Deus possível, que o tempo é feito
para se despedaçar bem como o sangue bem como o coração.
Mãe! Mãe! Salva-me deste corpo! E os bichos devorando o que há
dentro de nós e que sendo perto é sempre tão distante, e nós pressentindo
o seu rumor metálico, a sua ávida vontade de nos comer inteiros,
de trazer a insónia para junto do que já adivinhámos roído, podre,
mas que não vemos e por isso temos fé oh! tanta fé. Talvez não seja
já, não seja agora, talvez ainda haja cura para o pus e para o escarro
e para o que quebramos na demanda de palavras demasiado luxuosas. Mãe! Mãe!
Tu que me criaste com esta carne, eu que te fui carcomendo o útero,
eu sei que eu não mereço mas,
Mãe, minha Mãe, salva-me, vem salvar-me
da miséria de existir.

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