quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

259.




O poema inicia-se com tijolo, pedra, não,
inicia-se com sémen, ranho, não,
inicia-se com muitas coisas partidas.

Atiro o poema contra a cama,
como se ele fosse o amante, meu sinuoso amante,
atiro-o contra a cama e digo: «Come-me».

Embora ele se mantenha imóvel eu grito uma vez mais
o seu nome sujo que é ter nome nenhum e cuspo-lhe
em cima para que ele compreenda o tamanho do meu tesão,
para que ele sinta como trago húmido o sexo; eu grito-lhe
ferida a ferida quanto é meu o seu pudor, quanto sei
do espaço em si implicado, tudo desconhecendo afinal.

Rasgo o poema contra a pele, fraca forma de dizer
«Mesmo que não me comas, hei-de saciar o desejo»
e postulo uma lei muito antiga como única forma
possível de salvação. Eu transformo o poema em
grito de criança, e acendo em mim a memória
de um veleiro que durante a noite crê partir, chorando.

Poema,
repito inexplicavelmente. Poema, hás-de ser de quem
te quiser; hás-de dizer-me porque sofre a bugavília,
hás-de imitar a voz daquele que amei com perturbada
imaginação. Poema, poema, poema. Em ti encontrarei
todos os Homens que morreram de fome, todos os Homens
que morreram de febre tifóide, todos os Homens que
morreram insaciados. De entre tuas duras vértebras
desenterrarei o fígado daquele que ousou roubar o fogo,
e trincá-lo-ei com fúnebre sentido de justiça,
           [violentamente.

Num gesto de incalculável preponderância,
estrangulo o poema. E o poema
finge perecer apenas para exaltar sua inimputável
erecção.

Abro minha boca em sinal de pronta rectidão
e tomo nas mãos a difícil respiração das letras. Não
há obscuridade bastante para tudo o que se passa
no coração do poema. Porque o poema é vil, o poema
é porco, o poema tem um pénis demasiado pontiagudo,
com o qual eu alegremente firo meu ventre de Madalena raras
vezes arrependida, Madalena em Ascensão pelo
pranto, essa Madalena perigosa para todas as virgens
e santas e até mesmo putas desta terra. Retomo a
imprecisa velocidade da pulsação e reconheço quanto
sal será necessário para todo este corpo; aqueço as têmporas
para que nada queira dizer Grandeza.

O poema termina, indubitavelmente,
com um grunhido.

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